Fatores que desencadeiam prematuridade podem ser específicos de uma região ou país
José Guilherme Cecatti
Quando o assunto é previsão de eventos, a humanidade já avançou muito. No entanto, ainda não conseguimos avaliar com precisão se uma gestante pode ter um parto prematuro espontâneo, ou seja, antes das 37 semanas de gestação. Atualmente, há apenas duas formas de avaliar esse risco: quando a mulher já teve um bebê prematuro antes ou nos casos em que seu colo do útero está mais curto que o normal, com menos de 25 milímetros.
A equipe liderada pelos obstetras José Guilherme Cecatti, professor titular de obstetrícia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Renato Teixeira Souza (vídeo), tentou uma forma inovadora de predizer a prematuridade, procurando identificar biomarcadores no soro das gestantes. A equipe testou diferentes tipos de substâncias presentes no organismo das gestantes e resultantes de processos metabólicos do organismo, para desenvolver um algoritmo capaz de prever os riscos de um parto prematuro com maior precisão, algo inédito no mundo. “Além dos biomarcadores, verificamos também fatores clínicos, como tabagismo e sangramento, para incorporá-los ao algoritmo”, conta Cecatti.
Identificar mulheres com maiores chances de parto prematuro permite oferecer medidas para preveni-lo já no pré-natal. Isso incluiria, por exemplo, administrar medicamentos como corticosteroides para melhorar a maturidade do pulmão do feto e hormônios, como progesterona, e a introdução do pessário, um anel de silicone para fechar o colo e diminuir a possibilidade de um nascimento antes da hora. A informação também tranquilizaria as gestantes de baixo risco, além de reduzir gastos em saúde pública com problemas decorrentes da prematuridade.
A equipe de Cecatti fez parte de um consórcio internacional chamado SCOPE (Screening Of Pregnancy Endpoints) para entender complicações comuns da gravidez, incluindo prematuridade espontânea. O estudo brasileiro partiu de um estudo internacional que testou amostras de sangue de quase 6000 gestantes colhidas na 15ª e 20ª semanas de gestação de mulheres de Auckland, na Nova Zelândia, e Cork, na Irlanda. A análise utilizou a técnica de metabolômica, o estudo dos metabólitos, substâncias e marcadores biológicos que ajudam a elucidar os mecanismos envolvidos no parto prematuro espontâneo. Por exemplo: os alcanos (compostos derivados da parafina) foram identificados como associados ao parto prematuro.
Utilizando a mesma tecnologia e metodologia do estudo do exterior, a pesquisa também coletou amostras de sangue e de cabelo de 1180 gestantes brasileiras de Campinas, Botucatu, Porto Alegre, Recife e Fortaleza na 20ª semana de gestação. Acredita-se que o cabelo possa conter informações (metabólitos) que correspondem ao metabolismo e estado biológico da mulher desde o período quando foram coletados até meses atrás, no início da gestação ou ainda antes dela. Além disso, os fios de cabelo não precisam ser refrigerados nem exigem grandes requisitos para sua conservação, o que elimina custos.
A coleta por aqui tinha dois objetivos: criar um grande biobanco e validar os resultados observados nas amostras internacionais, identificando metabólitos e substâncias específicas presentes nas gestantes brasileiras, já que algumas delas têm relação com o meio ambiente em que as mulheres vivem. Agora que estão armazenadas, essas substâncias poderão ser usadas também em outros estudos envolvendo o desenvolvimento de biomarcadores para várias outras condições identificadas durante a gravidez.
Os pesquisadores acompanharam cada uma dessas mulheres para verificar não só a ocorrência de parto prematuro, mas também síndromes relacionadas à pressão alta (pré-eclâmpsia), restrição do crescimento do feto e diabetes mellitus gestacional. Assim, será possível a investigação dos fatores relacionados às chamadas “Grandes Síndromes Obstétricas” na população brasileira.
O estudo concluiu que os metabólitos, biomarcadores e também fatores clínicos envolvendo a prematuridade variaram muito de país para país. Em Cork, por exemplo, substâncias resultantes da queima de combustíveis fósseis como os hidrocarbonetos de cadeia longa (decano e dodecano) estão ligadas ao parto prematuro, confirmando e reforçando o papel da poluição ambiental para o desencadeamento do problema. Esses achados não foram encontrados nas amostras neozelandesas e brasileiras, por exemplo.
“Acreditávamos que encontraríamos os mesmos poluentes, substâncias e fatores de exposição nos três contextos”, afirma Cecatti. “Estávamos enganados e, ao contrário do que esperávamos, o problema é causado por vários fatores e a probabilidade de encontrar um único marcador ou poucos deles para prever risco de parto antes do tempo é muito pequena”. Segundo a equipe, os biomarcadores podem mudar de acordo com a população, contexto de vida e tipo de exposição ambiental das grávidas e a região do mundo.
No Brasil, o estudo já identificou marcadores que mudam de acordo com o fenótipo das mulheres, características de um organismo que variam conforme os genes e o meio em que a mulher vive. Isso significa que os fatores que levam à prematuridade podem se alterar segundo o índice de massa corporal (IMC), se a mulher é obesa ou magra, e com a etnia (negra, indígena). “Por isso, numa próxima etapa, pretendemos utilizar o biobanco para identificar biomarcadores e metabólitos específicos para o contexto brasileiro”, diz Cecatti.
Os fatores clínicos que podem desencadear o nascimento antes das 37 semanas também se alteram de acordo com o país. Sangramento antes das 15 semanas de gestação e fumo durante a gravidez foram os únicos fatores clínicos associados à prematuridade em Cork e em Auckland. Já no Brasil, o único fator que isoladamente se associou ao parto prematuro foi um comprimento do colo do útero menor que 25mm. A pesquisa também identificou os fatores de risco associados a outras complicações do parto, como pré-eclâmpsia, restrição do crescimento do feto e diabetes gestacional, que também podem levar à prematuridade.
Tem mais chance de desenvolver pressão alta na gravidez (pré-eclâmpsia) as gestantes que ganham peso de maneira acelerada. O tabagismo está ligado ao crescimento do feto abaixo do esperado e a obesidade, maiores IMCs, ao diabetes gestacional.