O algoritmo que ajuda os médicos a decidir quando prolongar uma gestação em caso de pressão alta para evitar partos prematuros
Marcos Bastos Dias
Com visão embaçada, dor de cabeça e muita náusea, uma grávida chega ao pronto atendimento praticamente carregada por seu companheiro. Seu ultrassom indica uma gestação de 33 semanas. Enquanto isso, sua pressão chega na casa dos 16 por 10. É uma emergência. E os médicos não têm dúvida do diagnóstico: pré-eclâmpsia, um problema que acomete cerca de 8% das gestações no Brasil, uma taxa três vezes maior que em alguns países do mundo. A doença é a principal causa de morte materna no Brasil.
Neste momento, os profissionais de saúde precisam tomar uma decisão o mais rápido possível: realizar uma cesárea de emergência para garantir a vida da mãe e do bebê ou prolongar a gestação por mais um tempo para evitar que ele venha ao mundo muito prematuro. Mas será que é possível estendê-la com segurança?
Foi a resposta a esta dúvida que motivou o obstetra Marcos Dias, médico do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz (RJ), e equipe a implementar e a avaliar a combinação de um teste e um protocolo para oferecer mais confiança aos profissionais de saúde à frente desta decisão crucial para a vida de gestante e bebê. “É a primeira vez que a junção destas duas ferramentas é testada no mundo”, diz ele. “Também somos o primeiro país em desenvolvimento a realizar um ensaio clínico randomizado como esse”.
A intervenção soma duas fontes de dados para criar um algoritmo capaz de orientar os médicos sobre a melhor conduta. O primeiro é um teste que analisa a concentração de duas substâncias no sangue da gestante: a sFlT-1 (tirosina quinase solúvel) e o PlGF (fator de crescimento placentário). Quando há a pré-eclâmpsia, os níveis de sFlT-1 estão elevados e os níveis de PlGF reduzidos quando comparados com uma gravidez normal. O exame mede a relação entre eles, o que dá informações mais precisas sobre a gravidade da doença.
Além disso, o estudo incorporou ao algoritmo um protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) chamado fullPIERS (Pre-eclampsia integrated estimate of risk). Trata-se de um modelo que combina seis variáveis baseadas em sintomas (como dor no peito), sinais e testes laboratoriais para informar ao médico qual paciente está sob um risco excessivo e pode desenvolver complicações graves relacionadas à hipertensão dentro de dois a sete dias.
Os resultados das duas avaliações informam ao médico o nível de risco. Se baixo, ele não precisará interromper a gestação. Nesse caso, ele pode prescrever tratamentos preventivos como baixas doses de aspirina e acompanhar a gestante. Durante esse período, a aplicação do teste e do protocolo deve ser repetida uma e duas vezes por semana, respectivamente.
No entanto, se ambos indicadores mostrarem risco alto, é indicada a cesárea de emergência.
O estudo testou se o protocolo foi eficaz para prolongar a gestação e reduzir partos prematuros em oito hospitais do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. O objetivo foi recrutar 1200 mulheres nestes centros, que eram sorteadas aleatoriamente. À medida que eram escolhidas ofereciam o protocolo para todas as gestantes com pré-eclâmpsia confirmada ou suspeita admitidas nas maternidades com menos de 37 semanas de gestação.
“O novo algoritmo foi bem recebido e utilizado pelos profissionais dos centros”, afirma Dias. “E já percebemos uma maior adesão ao uso de tratamentos para a profilaxia da pré-eclâmpsia como a utilização do cálcio e da aspirina”.
“Se a técnica se mostrar eficaz, podemos reduzir o número de partos prematuros, o que representa um duplo ganho: mais qualidade de vida para as crianças e menos gastos com internação para o sistema de saúde”, diz Dias, que está conduzindo estudos de custo-efetividade que devem ser divulgados em breve. “Nosso sonho é incorporar o novo algoritmo como avaliação de risco da doença em todos os serviços de saúde”.
Além da avaliação sobre a eficácia e impactos do algoritmo sobre as taxas de prematuridade, a equipe criou um biobanco com amostras de sangue e urina de 4000 mulheres durante o pré-natal em três momentos da gestação: no início dela, entre 28 e 32 semanas e no momento do parto. Amostras das gestantes com pré-eclâmpsia que fizeram parte do teste clínico dos dois testes também foram acrescentadas a esse repositório. “Além de comparar os materiais das gestantes com e sem a doença, poderemos entender as melhores abordagens para identificá-la e tratá-la precocemente”, afirma Dias. “O banco também servirá de base para outros estudos para aprofundarmos nosso conhecimento sobre o tema”. O objetivo é coletar amostras de 5000 mulheres.