O programa que ajuda os pais a estimular seus bebês prematuros no dia a dia para melhorar seu desenvolvimento

Rita de Cássia dos Santos Silveira

Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe da UTI Neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Projeto: Programa de estimulação precoce para crianças prematuras e seus pais: estabelecendo o impacto no neurodesenvolvimento aos 18 meses de idade corrigida

Depois de dar à luz a um prematuro de 28 semanas, a adolescente teve de ser internada por complicações do parto. Chegou à maternidade com 15 anos e só saiu de lá ao completar 16, dois meses depois. No início, ela era muito impaciente e arredia. Quem tinha de acompanhar as orientações sobre os cuidados com o bebê, ainda na UTI neonatal, era sua tia. O pai tinha só 19 anos. Mas apesar da pouca idade do casal, o bebê era muito desejado. Depois de quase 60 dias de hospital, a família pode finalmente levá-lo para casa. Na primeira visita, semanas depois, o carro da equipe de duas enfermeiras encostava numa área de extrema pobreza na Grande Porto Alegre. Devido ao tráfico, a família teve se mudar de endereço pelo menos três vezes. A cada visita, a interação entre os pais e o bebê só aumentava. A mãe nunca deixou de acompanhá-lo. O pai sempre esteva lá, tirando foto. Aos dois anos, o bebê está entre as crianças que mais melhoraram seu desenvolvimento e já sabe até contar os números.

Essa história só foi possível graças ao programa de estimulação precoce para prematuros e seus pais desenvolvido pela pediatra Rita de Cássia dos Santos Silveira, doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe da UTI Neonatal do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Para elaborar a intervenção, a equipe teve o desafio de criar um material visualmente atraente orientando sobre as técnicas e exercícios de estimulação no hospital e em casa e que pudesse ser compreendido e realizado por pais, familiares e cuidadores da criança de qualquer contexto educacional e socioeconômico. Com o folder pronto, foi a vez de sortear aleatoriamente (randomizar) os 88 prematuros que receberiam o programa de estimulação (grupo intervenção) e os que teriam os cuidados convencionais (controle).

Os pais começavam as práticas ainda na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal com o acompanhamento das enfermeiras. Em dez sessões práticas, os cuidadores aprendiam os exercícios de estimulação que deveriam começar a ser realizados no hospital, como carinho e toque sistemático ao bebê, e posteriormente em casa. Entre eles estavam, por exemplo, já em casa, agitar um chocalho de plástico de um lado para o outro e avaliar se a criança acompanha, falar perto e longe do bebê para checar se ele acompanha a voz, agitar numa mão com luva vermelha ou preta e na outra mão luva branca para facilitar a percepção das cores. Ainda, costurar um guizo nas meias do bebê para motivá-lo a procurar pelo barulho e ir atrás do pé, o que melhora o desenvolvimento motor e a cognição.

Depois da alta, uma equipe de enfermeiras treinadas visitava os bebês após cada orientação, são dez consultas de orientação no ambulatório e consequentemtne 10 vezes para acompanhar a evolução do desenvolvimento deles. E tiveram de enfrentar inúmeros obstáculos para acompanhar o desenvolvimento das crianças até os dois anos de idade. Não foram poucas as vezes em que encararam bloqueios por conta de disputas entre facções do tráfico, intervenções do exército e até tiroteios. “Mesmo assim a adesão foi alta e tivemos poucas perdas de bebês e mães no estudo”, afirma Rita. “Além dos pais e cuidadores, o programa também conseguiu sensibilizar agentes e profissionais da saúde para a importância da estimulação para o desenvolvimento”. 

Ao longo de todo o projeto, os pesquisadores mediram os impactos do programa em diversas áreas do desenvolvimento: motor, cognitivo e emocional (vínculo entre criança e cuidador). É a primeira vez que um estudo avalia os efeitos de um programa para prematuros quanto à sua capacidade cognitiva de compreender e responder a estímulos. 

Os primeiros resultados foram notados ainda no hospital. O grupo de crianças que recebeu os cuidados especiais dos pais teve uma interação superior à esperada já na UTI Neonatal e, aos oito meses, uma melhora significativa das habilidades motoras. Nesta idade, todos os bebês do estudo passaram por uma avaliação com base na escala Bayley, referência internacional para medir desenvolvimento. Cerca de 24% dos que receberam a intervenção tiveram desenvolvimento infantil abaixo do normal para a idade. Já no grupo controle, esse índice foi de 54% e as crianças foram internadas com mais frequência. Os estímulos mostraram efeito mesmo num grupo de prematuros muito pequenos (extremos) e com diversas complicações. Durante as visitas, os pesquisadores notaram uma melhor interação associada com maiores taxas de aleitamento materno e vínculos mais fortalecidos. 

“O interesse dos bebês no aprendizado e seu desenvolvimento independem da gravidade da prematuridade e das condições socioeconômicas da família”, afirma Rita. “Mesmo em moradias sem saneamento básico e com múltiplos filhos, observamos uma ótima interação durante as visitas, o que mostra que esta é uma intervenção de baixo custo que pode ser implementada com sucesso em qualquer contexto familiar”.