Os 10 passos que aumentam o aleitamento materno entre prematuros e podem salvar vidas
Carmen Gracinda Silvan Scochi
“No começo, foi difícil. Nascido com 25 semanas, ele tinha dificuldade para sugar meu leite. Mas, com a ajuda da equipe do estudo e uma dedicação diária e constante, consegui amamentar meu bebê pela primeira vez”.
O relato acima resume bem as dificuldades de se amamentar prematuros pequenos e de muito baixo peso. É de uma das mães dos 4600 bebês nascidos antes das 37 semanas que participaram de um estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). O projeto implementou a Iniciativa Hospital Amigo da Criança para unidades neonatais (IHAC-Neo) em centros das cinco regiões do Brasil e mediu seus impactos. “O objetivo da intervenção foi aumentar o início precoce e a prevalência do aleitamento materno exclusivo em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais para melhorar as condições de saúde dos prematuros”, afirma a pesquisadora Carmen Scochi, doutora em enfermagem pela USP e especialista em enfermagem neonatal. “Também avaliamos a adesão dos profissionais a essas boas práticas”.
A IHAC-Neo, proposta por pesquisadores nórdicos e de Quebec-Canadá, congrega os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno adaptados para as necessidades das unidades neonatais, os Três Princípios Norteadores e o Código de Comercialização dos Substitutos do Leite Materno. Os Dez Passos adaptados incluem tanto medidas para os profissionais de saúde como a “garantia de educação e treinamento de toda equipe no conhecimento e em habilidades específicas” quanto para as mães – “permitir que elas e seus bebês permaneçam juntos 24 horas por dia” – e pais: “prepará-los para a continuidade da amamentação e assegurar acesso aos serviços de apoio/grupos após a alta hospitalar”.
Amamentar um prematuro é uma tarefa que realmente requer uma equipe de saúde motivada e treinada. Devido a imaturidade de todo o organismo, é comum que os prematuros tenham certa dificuldade em coordenar a sucção, deglutição e respiração, o que pode interferir na amamentação e, ao mesmo tempo, gerar sentimento de incapacidade na mãe. Quanto menor a idade gestacional do bebê (com quantas semanas de gestação ele nasceu), mais difícil é sua alimentação pela boca, o que requer sondas e atrasa ainda mais a transição para o peito. Quando não são amamentados, eles acabam precisando das fórmulas comerciais de alto custo e que, inclusive, podem agravar problemas de saúde.
Por essas e outras razões, um estudo de Pernambuco de 2014 com 93 prematuros verificou que apenas 22,6% haviam sido amamentados na primeira hora de vida, fator essencial para estabelecer o vínculo mãe-filho. Além disso, o leite materno protege contra a enterocolite necrosante (inflamação intestinal em que porções do intestino sofrem necrose), e melhora o sistema imune, garantindo menor incidência de infecções como sepse (infecção generalizada) e meningite e de re-hospitalizações, muito comuns nesta fase.
O estudo foi realizado em nove hospitais distribuídos nas cinco regiões do Brasil (norte, nordeste, centro oeste, sudeste e sul), cinco para receber a intervenção IHAC-Neo e quatro não (controle). A pesquisa mediu os impactos da implementação dos 10 passos em relação a dois indicadores: o aleitamento materno exclusivo entre prematuros e a adesão às medidas por parte dos profissionais de saúde.
O hospital que recebeu a intervenção na região sul, em Londrina (PR), foi o único que aumentou significativamente as taxas de aleitamento materno exclusivo tanto na alta hospitalar (de 29,8% para 84,4%) como no primeiro mês em que o prematuro estava em casa (de 27,3% para 77,1%). “Os resultados se devem ao grande comprometimento de todos: de líderes a residentes”, explica Carmen. Para além de treinamento e engajamento, a IHAC-Neo incluiu um conjunto de medidas de baixo custo e alto impacto, como disponibilizar acomodações para a mãe permanecer ao lado da incubadora do bebê no chamado cuidado canguru, contato pele a pele entre a mãe e a criança.
Depois de Londrina, o segundo maior aumento da adesão às boas práticas de incentivo à amamentação de prematuros ocorreu no hospital intervenção do sudeste, em Ribeirão Preto – SP. “As mulheres que participaram do programa se mostraram mais motivadas para os cuidados do filho e, com isso, conseguiram maior apoio por parte dos pais e da família”, afirma Adriana Moraes Leite, outra pesquisadora do estudo.
Segundo Carmen, as razões para a baixa adesão nos outros centros vão desde a falta de profissionais treinados em métodos de melhoria da qualidade à alta rotatividade de funcionários, que prejudicam a sustentabilidade das mudanças na prática. Agora a equipe pretende voltar aos hospitais que tiveram maior adesão para coletar os mesmos dados e avaliar os impactos mais de um ano depois. “Queremos entender quais fatores fizeram a diferença para a continuidade das boas práticas da IHAC-Neo e contribuir com a inclusão desta iniciativa expandida também como requisitos obrigatórios para um hospital que atende prematuros se tornar Amigo da Criança”, diz Carmen.