Dinâmica da circulação de microrganismos resistentes aos antimicrobianos entre ambientes hospitalares e de criação animal

Thaís Cristine Marques Sincero

Nome do projeto

Dinâmica da circulação de microrganismos resistentes aos antimicrobianos entre ambientes hospitalares e de criação animal

O que é

Dada a importância do uso de antimicrobianos na indústria animal e ao crescimento do número de Resistência Anti-Microbiana (RAM) na saúde humana, a proposição deste projeto foi estudar a dinâmica de circulação e transmissão de comunidades microbianas, analisando amostras das principais fontes de exposição aos antimicrobianos (hospitais e granjas). O intuito era compreender o ecossistema da circulação da resistência aos antimicrobianos, utilizando análises de metagenômica e de genes relacionados à resistência aos antimicrobianos (resistoma).

Como foi o experimento

A estratégia foi baseada em 5 elementos-chave: 1) uma extensa equipe multidisciplinar envolvendo pesquisadores das ciências biológicas básicas, profissionais da saúde, pesquisadores das ciências ambientais, agentes de órgãos estaduais e federais de pesquisa e regulação agropecuária (EMBRAPA, MAPA, CIDASC), além de cinco granjas de suínos e 10 granjas  avícolas do oeste de Santa Catarina (representando mais de 20.000 suínos e 400.000 aves); 2) Identificação de RAM em fontes convencionais e não convencionais, a partir de locais estratégicos de aquisição e transmissão de RAM: hospital e granjas. As amostras hospitalares incluíram o paciente, um parente próximo e os ônibus fornecidos pelas prefeituras para transportar pacientes e parentes das cidades do interior para o Hospital Universitário. Paralelamente, amostras das granjas incluíram agricultores em contato direto com suínos e aves, a cama de animais e o principal sistema de drenagem sanitária das granjas; 3) Caracterização do resistoma das amostras utilizando sequenciamento por nanoporos (MinION); 4) Integração das ações de vigilância atuais com as novas informações obtidas a partir deste estudo e aproveitando a rotina de trabalho realizado pelo hospital e pelas granjas na vigilância de contaminação microbiana para identificar MRA em pacientes e agricultores. Por último, propor uma modelagem da dinâmica de circulação de MRA da comunidade para o hospital e vice-versa.

Principais resultados

Foram coletadas amostras de 53 pacientes, 18 de granjas de aves, 28 de suínos e 5 de indivíduos que manipulam esses animais. No total, foram geradas e analisadas 23.571.405 sequências obtidas das amostras coletadas. As sequências foram analisadas quanto à composição do microbioma (22.350.429 sequências com identificação taxonômica) e do resistoma (143.243 sequências identificadas nos bancos de dados de resistência, correspondendo a 612 genes não redundantes, encontrados 3.929 vezes nas amostras). Os dados foram analisados pelas plataformas Easy Data e Matchi, desenvolvidas para o projeto. Genes de resistência a todas as classes de antimicrobianos utilizados na clínica foram amplamente encontrados em todos os tipos de amostras: pacientes (137 isolados), transportes (33), granjas (170) de aves, de suínos e técnicos de granjas (11). Destaca-se a altíssima frequência de genes de resistência aos aminoglicosídeos em todos os tipos de amostras. Genes de resistência aos glicopeptídeos só foram encontrados em amostras de pacientes. A resistência aos beta-lactâmicos prevaleceu nas amostras humanas, possivelmente pelo baixo uso dessa classe de antibióticos em animais. O tempo de internação dos pacientes impacta na taxa de colonização por bactérias multirresistentes cultiváveis. Granjas de suínos mostraram uma baixa prevalência de genes de resistência às polimixinas em comparação com as outras amostras. O manejo dos animais parece impactar no número de genes encontrados, que é muito variado mesmo entre amostras de um mesmo tipo. As amostras de suínos orgânicos mostraram um número significativamente menor de genes de resistência do que as granjas de manejo convencional. Além disso, o tratamento do resíduo analisado por digestão anaeróbia mostrou uma redução significativa no número e frequência dos genes de resistência. No caso das granjas de aves essa comparação não foi possível uma vez que a imensa maioria das granjas utiliza antibióticos. Por fim, observamos a mesma proporção do número de genes e da frequência dos mesmos em todas as amostras, sugerindo distribuição e circulação globalizada, independente da origem amostral.

Por que é inovador

O Brasil está entre os maiores produtores de exportadores de suínos e aves, em particular o estado de Santa Catarina. Estima-se que até 75% dos pacientes internados recebam antimicrobianos e 50% das prescrições são consideradas inadequadas. Paralelamente, os antimicrobianos são extensivamente utilizados em granjas de criação de suínos e aves tanto para prevenir infecções quanto como promotores de crescimento. No entanto, a compreensão dos riscos gerados pelo uso de antimicrobianos é limitada quase exclusivamente a observações indiretas ou estudos pontuais sobre alguns dos RAM mais relevantes para uso em animais e humanos. A inovação do projeto está na investigação da dinâmica da disseminação da RAM de uma forma mais sistêmica e integrada, estabelecendo uma conexão entre os vários ecossistemas.

Implicações para o sistema de saúde brasileiro

O estudo poderá fornecer novos dados para o sistema de vigilância e análise que, complementados com os dados de rotina hospitalar e das granjas, bem como a análise demográfica, serão úteis para modelar a circulação de RAM entre os locais analisados e assim dar evidências para a construção de uma estratégia que vise a redução no consumo de antimicrobianos tanto na saúde humana quanto animal, bem como na forma de resíduos industriais. Nossos dados podem contribuir para os objetivos do Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única (PAN-BR) identificando os genes circulantes na criação animal e orientando o uso e a seleção de antimicrobianos em cenários de Saúde Única, visando minimizar a seleção de microrganismos resistentes.

Próximos passos

Como os resultados alcançados até o momento indicam grande circulação de genes de resistência em Santa Catarina, que é um dos maiores produtores e exportadores de suínos e aves do Brasil, vamos propor junto à Embrapa, monitoramento de patógenos de origem zoonótica e de determinantes de resistência, como biomarcadores da eficiência de procedimentos de manejo dos animais, visando alcançar padrões internacionais de segurança alimentar. O uso das plataformas Easy Data e Matchi para gerenciamento e análise dos dados gerados podem ser ampliados para os gestores interessados nos resultados. Além disso, pretendemos incorporar nossos dados na Plataforma OneBr, desenvolvida pelo Prof. Dr. Nilton Lincopan, quando a mesma for adaptada para dados de metagenômica.

Matéria sobre o projeto

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