Monitoramento da resistência aos antimicrobianos em uropatógenos de pessoas da comunidade e sua correlação genética com determinantes de resistência isolados de Enterobacterales de carnes de animais para consumo

Eliana Vespero

Nome do projeto

Monitoramento da resistência aos antimicrobianos em uropatógenos de pessoas da comunidade e sua correlação genética com determinantes de resistência isolados de Enterobacterales de carnes de animais para consumo

O que é

A infecção do trato urinário (ITU) é a infecção mais frequente tanto no ambiente hospitalar quanto na comunidade. Escherichia coli é o uropatógeno mais prevalente causando ITU e vem apresentando uma crescente resistência aos antimicrobianos utilizados como primeira escolha no tratamento. Em paralelo, verifica-se que os diversos compartimentos ambientais, desde sistemas de tratamento de água até a agropecuária, em particular ambientes de produção de frango e porco, mostram índices elevados de bactérias resistentes aos antimicrobianos, contribuindo assim para a ampliação e disseminação de genes de resistência. Por isso, o objetivo deste projeto foi monitorar a resistência aos antimicrobianos em bactérias causadoras de ITU adquiridas na comunidade, e correlacionar com os determinantes genéticos de resistência de isolados de  E.coli de origem animal.

Como foi o experimento

Foram analisados no período do projeto, um total de 34.293 microrganismos isolados de  culturas de urina,  realizadas de junho de 2016 a maio de 2019, de pessoas atendidas  nas Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto Atendimento do município de Londrina, Paraná. Em paralelo, foram estudadas amostras de carnes de aves e porcos de diversas marcas comercializadas em  supermercados de Londrina. A identificação e teste de sensibilidade aos antimicrobianos foram realizados utilizando o sistema automatizado VITEK 2, os isolados que apresentaram resistência às cefalosporinas e/ou carbapenêmicos e fluorquinolonas foram submetidos a testes fenotípicos para caracterização da resistência. A similariedade genética entre os isolados foram avaliadas utilizando a técnica de ERIC-PCR e posteriormente foram sequenciadas utilizando a plataforma NextSeq (Illumina). Foram ainda comparados os isolados de E. coli da microbiota intestinal de pessoas que consomem carne com indivíduos vegetarianos e/ou veganos. Os principais fatores de virulência e produção de β-lactamases de Escherichiacoli foram analisados por PCR, e classificados em grupos filogenéticos.

Principais resultados

Dentre todas as amostras analisadas, 90% delas eram microorganismos Gram negativos pertencentes à família das Enterobacterales. O microrganismo identificado mais frequentemente nas uroculturas realizadas na comunidade foi E. coli (66,8%), das quais 1.480 (6,9%) eram produtoras de ESBL.  

Os testes de sensibilidade às drogas de primeira escolha para o tratamento de ITU, realizados em 22.189 isolados de E. coli, mostraram que 50% são sensíveis à amplicilina, e 49,8% à cefalotina, 70%  às quinolonas e fluorquinolonas, 80% a sulfametoxazol/trimetroprim e 95% à nitrofurantoína. A resistência às quinolonas aumentou proporcionalmente com a idade, assim como as amostras produtoras de ESBL. 

Entre os genes que codificam a produção de ESBL, encontrou-se bla CTX-M-15 (29,17%), bla CTX-M-8 (16,67%), bla CTX-M-2 (12,50%), bla CTX-M-55 (12,50%), bla CTX-M-14(10,42%), sendo   estes os mais frequentes. Os sequence typing (ST) mais frequentes em amostras de urina foram o ST131 (17,46%), ST648 (11,11%), ST38(7,94%), ST354 (6,35%) e ST10 (4,76%). Os mecanismos mais frequentes de resistência às quinolonas foram as mutações nas regiões gyrA e parC (QRDR) e os genes aac(6´)-ib-cr. A  combinação de genes de resistência às quinolonas associadas a genes de produção de ESBL diminui o arsenal de antimicrobianos utilizados nos tratamentos de ITU não complicadas, principalmente na comunidade.

Nas 100 amostras de carnes selecionadas em mercados próximos às unidades de saúde estudadas, de diferentes produtores, detectou-se um total de 168 isolados (102 de frangos e 67 de suínos). Dentre as amostras isoladas de frangos, foram selecionados 53 cepas e em 23 realizou-se o sequenciamento completo do genoma. As análises demonstraram 32 genes de resistência dos quais os mais frequentes foram aadA1 (60,38%), sul2 (56,60%), sul1(47,17%), bla TEM-1B (7,38%). Além disso, foram encontrados 15 genes de virulência como iss (71,2%), iroN (51,9%), IpfA (40,4%), astA (44,4%) e cma (38,5%). Os principais genes codificadores da produção de ESBL encontrados foram blaCTX-M-55(41,51%) e blaCTX-M-2 (33,96%). Os dois genes de resistência às quinolonas encontrados nesses isolados foram QnrB19 (13,21%) e QnrS1 (1,89%). 

Já na análise dos isolados dos suínos, notou-se 32 genes de resistência, prevalecendo blaTEM-1B (39,13%), sul2(43,48%), blaCTX-M-55 (43,48%), aadA1 (39,13%) e fosA (34.78%), e 29 genes de virulência, sendo os principais iss (66,70%), IpfA (62,50%), eilA (29,2%), astA (41,7%) e air (16,7%). Os genes codificadores da produção de ESBL foram bla CTX-M-55 (41,51%), blaCTX-M-2 (13,04%), bla CTX-M-15 (13,04%) e blaCTX-8(8,70%). Os genes responsáveis pela resistência às quinolonas encontrados nos isolados de suínos foram QnrB19 (13,04%) e aac(6’)Ib-cr (4,35%).

Os genes codificadores ESBL foram blaCTX-M-2 (ST38, ST57 e ST117), blaCTX-M-8 (ST1485), bla CTX-M-14 (ST38 e ST354), blaCTX-M-15 (ST131 e ST410), blaCTX- M-24 (ST354), blaCTX-M-27 (ST38 e ST131), blaCTX-M-55 (ST38, ST117, ST131, ST131, ST354, ST1196 e ST1485) e bla KPC-2(ST354). Os STs presentes em maiores quantidades foram, respectivamente, os ST131, 38 e 354. O ST131 mostrou ter alta relação com a expressão do gene blaCTX-M-15, encontrado em 8 isolados de urina.

Para comparar os isolados de microbiota intestinal com os hábitos alimentares, foram selecionados 118 pacientes, 60 onívoros e 58 vegetarianos e/ou veganos. Embora não houvesse diferença significativa no perfil de resistência entre os grupos, verificou-se a presença de ESBL em 7 amostras entre vegetarianos/veganos e 3 do grupo de onívoros.

Por que é inovador

Estudos recentes têm correlacionado o consumo de carnes de frangos e porcos com aquisição de bactérias resistentes aos antimicrobianos, causando ITU da comunitária. O estudo mostra que fatores de virulência e determinantes genéticos de resistência são compartilhados entre as amostras de carnes de consumo e de ITU ocorridas em humanos. Esses dados sugerem que o consumo desses alimentos pode levar à aquisição bactérias resistentes e/ou genes de resistência e, por consequência, dificultar o tratamento de primeira escolha que usualmente é realizado nas unidades básicas de saúde para o tratamento de ITU.

Implicações para o sistema de saúde brasileiro

Os resultados do estudo podem auxiliar nos protocolos de tratamento de ITU e, assim, orientar a melhor escolha dos antimicrobianos de primeira linha a serem utilizados. Os achados também indicam a necessidade de estabelecer sistemas de monitoramento locais e nacionais da resistência antimicrobiana no Brasil para fornecer dados às diretrizes de tratamento de ITU na comunidade, além de reforçar a importância da vigilância continuada realizada pelos órgãos responsáveis pela fiscalização do uso de antimicrobianos na avicultura e pecuária.

Próximos passos

A equipe pretende realizar educação continuada sobre diagnóstico e tratamentos adequados da ITU na comunidade. Além disso, pretendem 1) expandir os estudos para o desenvolvimento de um produto alternativo, a fagoterapia, para ser utilizada na criação de suínos e frangos e também no tratamento de ITU ocasionadas por cepas epidêmicas (como CTX-M-15, ST 131); 2) continuar colaborando com outro projeto deste edital para utilizar o SMART CDSS, que tem por objetivo melhorar o diagnóstico e antibioticoterapia e auxiliar os profissionais de saúde no diagnóstico e tratamento nas UTI e 3) elaborar um teste rápido para detecção de resistência  as quinolonas nos isolados de E .coli de ITU em pessoas da comunidade.

Matéria sobre o projeto

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