Rastreando a evolução de MRSA visando descobrir importantes biomarcadores para caracterizar rapidamente clones específicos de MRSA envolvidos em infecções hospitalares na corrente sanguínea

Agnes Figueiredo

Nome do projeto

Rastreando a evolução de MRSA visando descobrir importantes biomarcadores para caracterizar rapidamente clones específicos de MRSA envolvidos em infecções hospitalares na corrente sanguínea

O que é

Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é um importante agente de infecções hospitalares, com predomínio de determinados clones que ocorrem em ondas epidêmicas, com novos clones substituindo os anteriores. Neste estudo, utilizando técnicas moleculares e da genômica, os autores revelaram a entrada de um novo clone de MRSA no Rio de Janeiro, mais frequente em infecções na corrente sanguínea (ICS). Esse clone, denominado de clone Rio de Janeiro (RdJ), pertencente ao complexo clonal 5 (CC5), foi mais resistente à fagocitose por monócitos e neutrófilos humanos, um fato que sugere um papel no aumento da frequência de RdJ em ICS. Adicionalmente, foi identificado um biomarcador que permitiu o desenvolvimento de um teste relativamente rápido para a identificação precisa do clone RdJ. Outro achado foi o aumento do MIC para o biocida Triclosan em 25% das amostras de MRSA CC5, percentagem esta muito elevada em comparação àquela vista nos genomas de amostras internacionais analisadas no estudo, que é de 0.9%. Paralelamente, foi observado que a perda de determinados genes de virulência pode ser importante para a evolução de certos clones de MRSA, contribuindo assim para o sucesso como patógeno em ambientes hospitalares. Tais dados desafiam o paradigma de que o aumento do arsenal de virulência seria a chave para a evolução de um patógeno bacteriano. Finalmente, estudos genômicos e de clonagem molecular revelaram que uma proteína, da família ArdA de E. coli, foi capaz de aumentar a aquisição de genes pelos MRSA, e que a presença de genes anti-restrição em S. aureus funciona como um biomarcador de hiper-resistência aos antibióticos, estando presentes no clone de MRSA multirresistente conhecido como Brazilian epidemic clone (BEC) e em cepas que infectam animais de criação, conhecidas como LA-MRSA, da linhagem ST398, da mesma forma hiper-resistentes.

Como foi o experimento

O projeto teve como foco principal o estudo de 600 amostras de MRSA obtidas previamente de 51 hospitais do Rio de Janeiro. Cerca de 40% das amostras tiveram seus genomas completamente sequenciados, e outros 60 genomas foram analisados através de DNA microarrays. Análises de genômica comparativa associadas aos estudos de filogenia Bayesiana, e de matriz de pangenomas foram realizadas para evidenciar potenciais genes associados ao predomínio de clones de MRSA prevalentes nesses hospitais, e na busca por biomarcadores específicos para o clone predominante RdJ. Uma vez que genes alvos foram revelados, estudos in vitro, ex vivo, e in vivo foram realizados para desvendar as estratégias moleculares utilizadas por clones de MRSA hiper virulentos e multirresistentes.  Os estudos genômicos foram realizados em parceria com pesquisadores da Universidade da Pensilvania nos EUA e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), e as análises de microarrays com a Université de Lyon.

Principais resultados

Foi observado que  cepas de MRSA pertencentes ao complexo clonal 5 (CC5)-SCCmecII predominam na região estudada, com destaque para ST105-SCCmecII-t002, que apresentou maior tropismo para ICS, quando comparadas com cepas de outros clones de MRSA disseminados no Rio de Janeiro. A maioria das amostras de MRSA analisadas foram isoladas de paciente idosos. O sequenciamento completo do genoma revelou que cepas da linhagem ST105-SCCmecII-t002 (clone RdJ) se expandiram localmente, porém compartilham um ancestral comum com cepas da linhagem ST5-SCCmecII norte-americano. Análises filogenéticas com inferência Bayesiana estimaram que o início da expansão do clone RdJ no Rio de Janeiro ocorreu, aproximadamente, no ano de 2009 (95% HPD 2007-2010). Um dado surpreendente foi verificar que as cepas ST105-SCCmecII-t002 apresentam maior resistência à fagocitose por monócitos e neutrófilos, quando comparadas com cepas de outros clones CC5 relacionados. Tais resultados poderiam explicar a preponderância do clone ST105-SCCmecII-t002 em ICS. Os estudos revelaram ainda um biomarcador (uma mutação pontual, apomórfica, no gene aur, a qual era específica ao clone RdJ) que permitiu o desenho de um teste molecular, 100% sensível e específico, para detectar esse clone, sem a necessidade de sequenciamento de genoma completo. Outro achado importante foi a descoberta de que 25% das amostras CC5 apresentaram resistência ao triclosan, portando o gene fabI em um elemento de transposição (TnSha1). O Triclosan é um antisséptico amplamente empregado em cosméticos, creme dental, enxaguantes bucais, assim como em procedimentos médicos e no controle de infecções hospitalares. Portanto, seu extensivo uso no Brasil poderia explicar o aumento do MIC para esse biocida. Além do CC5, amostras de MRSA CC1 são encontradas nos hospitais examinados em uma frequência de 13.2%, sendo o terceiro complexo clonal mais frequente. As análises genômicas demonstraram que a evolução do CC1 nos hospitais brasileiros ocorreu através da perda de genes citotóxicos e proapoptóticos, fazendo com que estas bactérias diminuíssem sua citotoxicidade; mas, em contrapartida, aumentavam a capacidade de sobrevivência dentro de fagócitos, ficando mais apta para causar infecções persistentes e recalcitrantes, mais difíceis, portanto, de serem debeladas. Finalmente, os estudos demonstraram que genes homólogos ao ardA (gene anti-restrição) estão amplamente distribuídos em cepas de MRSA hiper-resistentes, e provamos, através de clonagem molecular, que a presença gene anti-restrtição em MRSA aumenta a  aquisição de gene exógenos. Assim, estes estudos revelaram que tais genes, nomeados em nosso estudo de ardA-H1 e ardA-H2 funcionam como biomarcadores de hiper-resistência aos antimicrobianos em MRSA, e estão amplamente disseminados em outras espécie de bactérias Gram-positivas que infectam seres humanos e animais.

Por que é inovador

O estudo revelou que o predomínio de clones de MRSA pode variar, em um mesmo hospital, de acordo com a fonte clínica e com a idade do paciente. E que tais estratificações clonais dependem de mecanismos específicos obtidos durante a evolução e dispersão desses clones. Por exemplo: a evasão da fagocitose pelo clone RdJ foi relacionada ao predomínio desse clone em infecções na corrente sanguínea. Através de análises de matriz de pangenomas, foi desenhado um método rápido para a detecção do clone RdJ, sem a necessidade de sequenciamento de DNA. Os estudos demonstraram ainda que os genes ardA-H1 e ardA-H2 estavam presentes em cepas hiper-resistentes de MRSA de humanos e de animais, e que ardA-H1 aumenta a transferência horizontal de genes exógeno, incluindo genes de resistência aos antimicrobianos. Estudos como este podem levar ao desenvolvimento de drogas antimicrobianas que possam não somente eliminar bactérias, como também impedir a disseminação da resistência entre bactérias. Finalmente, foi demonstrado que a evolução redutiva do repertório de virulência foi  um fenômeno evolutivo importante para o estabelecimento do MRSA CC1-SCCmecIV em nossos hospitais, onde permanece como o terceiro MRSA mais frequente.

Problema que soluciona

Dados sobre a genômica e evolução de MRSA poderão levar pesquisadores a prever o surgimento de novos clones e assim preparar profissionais de saúde para um tratamento e medidas de controle mais precoces e adequados para infecções graves e invasivas por MRSA, levando assim à identificação do antibiótico mais adequado a ser usado, evitando o uso indevido de antibióticos ineficazes. O uso de métodos rápidos para a detecção do clones de MRSA irão facilitar estudos sobre morbidade e mortalidade associados a clones específicos e, dessa forma, promover uma melhor orientação dos médicos e profissionais das comissões de infecção hospitalar.

Implicações para o sistema de saúde brasileiro

O uso de métodos rápidos para a detecção de clones de MRSA, como o desenvolvido para o clone RdJ, irão facilitar estudos sobre morbidade e mortalidade associados a clones específicos e, dessa forma, promover uma melhor orientação dos médicos e profissionais das comissões de infecção hospitalar.

Próximos passos

Dado o predomínio de CC5-SCCmecII em infecções na corrente sanguínea, e particularmente dessa nova linhagem ST105-SCCmecII-t002, é crucial determinar se a presença de linhagens pertencentes ao CC5-SCCmecII nessas infecções apresenta um valor preditivo de letalidade aumentada em relação aos demais clones de MRSA.  Além disso, pretende-se investigar se esse novo clone emergente se encontra apenas disseminado nos hospitais do Rio de Janeiro, ou se também estaria amplamente disseminado em outros hospitais brasileiros. Finalmente, os estudos sobre a evasão da fagocitose do clone RdJ estão em andamento, e visa revelar mecanismos, tanto na bactéria como no fagócito, que estão envolvidos na evasão à fagocitose do clone RdJ. Tais estudos são importantes porque podem vir a promover pesquisas sobre novos moduladores do sistema imune visando neutralizar a evasão bacteriana.

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