A experiência de nascer que muda comportamento e crenças sobre o parto normal

Sonia Lansky e Bernardo de Oliveira

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Projeto: Sentidos do Nascer: efeitos de uma exposição interativa na transformação da percepção sobre o parto e nascimento

A passagem é escura e estreita. Mesmo se contorcendo e se esgueirando, em certos momentos, você sente que não vai conseguir romper os obstáculos para alcançar a luz que já avista ao longe. Ainda assim, segue em frente. E finalmente sai de um local apertado e cheio de incertezas para um lugar imenso. É o mundo externo. Você nasceu.

Mais de 50.000 pessoas passaram por esta experiência em três cidades do Brasil ao participar da Exposição Sentidos do Nascer, idealizada pelos pesquisadores Bernardo de Oliveira e Sonia Lansky, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Entre 2015 e 2019, a equipe montou 14 exibições nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Niterói, Ceilândia e Brasília.

“Nossa intervenção mistura arte, ciência e tecnologia para despertar a mudança da percepção sobre o nascimento, incentivando a valorização do parto normal, a utilização de evidências científicas na assistência ao parto e o respeito aos direitos das mulheres e das crianças para a redução de cesáreas desnecessárias e da prematuridade”, afirmam os pesquisadores. O Brasil está entre os países que mais recorrem a essas intervenções cirúrgicas que, em 2018, responderam por 55% dos nascimentos no país. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cesariana é necessária apenas entre 10% a 15% das gestações por motivos médicos. E 11,5% dos bebês que nasceram foram prematuros, uma taxa quase duas vezes maior do que a recomendada. As boas práticas no parto e nascimento podem impactar a saúde materna e infantil e contribuir para a redução da mortalidade materna e a mortalidade neonatal, que fazem parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030.

O maior jornal da TV brasileira reportou a experiência de nascer

O objetivo da pesquisa foi medir, cientificamente, o efeito da exposição na mudança da percepção, conhecimento e comportamentos dos participantes – incluindo grávidas – para verificar se é possível transformá-la em ferramenta de saúde pública.

Entre as 17.501 pessoas que frequentaram a exposição em 2015 e responderam a um questionário num totem ao final dela, houve uma mudança significativa na opinião sobre o parto normal antes e após a visita. A porcentagem dos que relataram ter uma percepção do parto normal como “excelente” aumentou de 42,9%, antes da intervenção, para 82,7% depois dela. Cerca de 75% das gestantes mudaram de opinião sobre o parto normal: a percepção positiva e a preferência por ele passaram de 46% para 84% e de 79,5% para 83,4%, respectivamente. O conhecimento sobre as melhores práticas de cuidado nos nascimentos recomendadas pela OMS aumentou 61.3% entre as futuras mães.

O projeto também realizou uma pesquisa de acompanhamento com 650 mulheres grávidas que participaram da exposição e verificou que 42% tiveram uma cesariana e 58% um parto normal – índices melhores do que os da população brasileira (55% da cesariana e 45% do parto normal), assim como o índice de prematuridade que foi de 7%, bem abaixo da média nacional. “Outro estudo de uma doutoranda investigou a participação das gestantes na exposição Sentidos do Nascer e a influência na decisão da mulher sobre o tipo de parto”, afirma Sônia. “Também estamos analisando a mudança de percepção e das práticas entre 500 profissionais de saúde do Sistema Único de de Saúde (SUS) que foram capacitados pelo projeto”.

Atualmente, o grupo de pesquisa mantém uma réplica da exposição funcionando no Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte (MG), acoplado a um Curso de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) gratuito e aberto à comunidade, com cerca de 100 alunos por semestre, desde 2016. “Queremos levá-la a outras localidades como instrumento para mudar a cultura sobre o parto e nascimento”, explica Bernardo. O custo estimado para instalá-la gira entre 80 mil reais, para montar uma estrutura fixa, e 130 mil reais para a itinerante, que se move a diversas cidades e exige de oito a seis pessoas por turno. “Também pensamos em levar a experiência de nascer por meio de novas tecnologias como as de realidade virtual, que poderiam dar escala a esta intervenção”, afirmam os especialistas.