A intervenção que contribui para a redução de cesáreas em hospitais privados
Maria do Carmo Leal
Nove em cada dez partos realizados em hospitais privados do Brasil são cesarianas. O país está entre os que mais recorrem a essas intervenções cirúrgicas que, em 2018, responderam por 55% do total de nascimentos no país. Os dois índices são muito superiores aos recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece que eles não devem ultrapassar os 10% a 15% dos partos, já que só devem ocorrer por motivos médicos.
Com o objetivo de reduzir os elevados índices de cesárea, a Agência Nacional de Saúde (ANS) em parceria com o Hospital Albert Einstein e Institute for Health Care Improvement, uma organização internacional focada em melhorar os serviços de saúde ao redor do mundo, lançou em 2015 o programa Parto Adequado.
A iniciativa nacional nasceu com o objetivo de apoiar e instrumentalizar a implementação de ações baseadas em evidências científicas para reduzir de forma segura o percentual de cesarianas desnecessárias e melhorar a qualidade e a segurança da atenção ao parto e nascimento em hospitais privados. Entre 2015 e 2016, 35 instituições e 19 operadoras de planos de saúde participaram dos testes iniciais, que demonstraram a viabilidade do projeto. Da atual fase de disseminação, que começou em 2017 e ainda está em curso, participam 108 hospitais e 60 operadoras. Até agora, já foram evitadas 20 mil cesarianas desnecessárias, segundo o programa. A terceira e última etapa prevê a disseminação das estratégias e práticas já testadas a várias maternidades e operadoras do país, em larga escala.
Para avaliar o impacto do programa, a pesquisadora Maria do Carmo Leal, professora de epidemiologia nos cursos de pós-graduação da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com experiência em investigações epidemiológicas, analisou doze hospitais participantes do Parto Adequado. Em cada um deles, entrevistou cerca de 400 mulheres que tiveram seus bebês nestas instituições selecionadas, num total de 4800 entrevistas. Entre as perguntas, estavam questões que tentavam identificar a qualidade do atendimento como um todo, as práticas adotadas no momento do parto e o tipo de parto: cesariana ou normal.
O estudo observou reduções de cesáreas em todos os doze hospitais participantes em 10% em média. Também notaram uma redução de 10% nos chamados recém-nascidos termo precoce, os bebês que nascem entre 37 e 38 semanas, um pouco abaixo das 39-40 consideradas ideais. “Estes nascimentos estão muito associados àquelas cesarianas agendadas e, com o programa, isso se reduziu significativamente porque os hospitais passaram a fazer um trabalho para impedir estes agendamentos antes das 39 semanas de gestação”, afirma Maria do Carmo Leal. “Não houve redução de prematuridade, porque os partos abaixo das 37 semanas são causados por outros variados fatores”. O programa também resultou num aumento dos índices de aleitamento materno na primeira hora de vida, fator extremamente importante para fortalecer o vínculo entre mãe e bebê.
No início do programa, os pesquisadores observaram que as equipes médicas e de enfermagem tinham dificuldade de conduzir e manejar partos vaginais porque não estavam mais acostumadas a realizá-los. Mas, com o tempo, os profissionais passaram a adotar procedimentos recomendados pela literatura científica, segundo as evidências publicadas internacionalmente. Entre as melhorias por parte dos profissionais estão maior presença de acompanhante durante os nascimentos, mais atendimentos por enfermeiros obstétricos, maior preenchimento do partograma, um gráfico que acompanha a evolução do trabalho de parto, menos manobras não mais recomendadas como rotina, assim como a episiotomias (corte no períneo para ampliar o canal do parto). A equipe médica também realizou menos procedimentos invasivos, como o cateter venoso (tomar a veia da mulher) e administrou menos medicamentos para alívio da dor e hormônios como a ocitocina. Como mecanismos para alívio da dor foram também utilizados banheira ou chuveiro com água morna e massagens. As gestantes também puderam beber água e se alimentar com comidas leves. No período expulsivo do parto, elas escolheram a posição que melhor lhes conviesse, reforçando o conforto e autonomia da mulher.
O estudo também avaliou a satisfação das mães e dos hospitais com o programa, dimensão esta que ainda está em fase de análise. Ao acessar os custos detalhados do atendimento ao parto em um hospital do estudo, a equipe observou que a intervenção Parto Adequado mostrou ser custo-efetiva, trazendo benefícios em comparação aos custos. “Verificamos que o programa traz benefícios para as gestantes, hospitais participantes e mais importante: para os bebês, que têm nascido de maneira mais saudável e no tempo certo”.