Bactérias herdadas da mãe podem desencadear ou agravar problemas em recém-nascidos
Renato Procianoy / Luiz Fernando Roesch
Herdamos uma série de características de nossas mães. Delas adquirimos cerca de 50% do nosso código genético, traços físicos e até preferências alimentares. Investigar se as gestantes também transmitem o microbioma – o conjunto de microorganismos – para seus bebês recém-nascidos foi o objetivo da pesquisa do pediatra Renato Procianoy, Professor Titular de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e do microbiologista Luiz Fernando Roesch, Professor Associado da Universidade Federal do Pampa. “Analisamos as possíveis associações entre o microbioma da mãe, do recém-nascido e a relação de ambos com o parto prematuro, doenças e complicações dos bebês”, conta Procianoy.
Assim que as mulheres do estudo eram admitidas para o parto, a equipe coletava amostras de fezes maternas e de esfregaços vaginais (swabs) da mãe e do primeiro mecônio (primeiras fezes) dos recém-nascidos. Foram colhidas amostras de 123 mães de bebês a termo, nascidos depois das 37 semanas de gestação, e de 490 de mães de prematuros. Ao longo da internação dos recém-nascidos pré-termo, os pesquisadores também coletaram 250 amostras de fezes das mães para acompanhar alterações do microbioma. Todo esse material está armazenado num repositório de microbiomas no laboratório da Unipampa e poderá embasar outros estudos.
A equipe identificou diferenças significativas entre o microbioma vaginal de gestantes que tiveram bebês com mais de 37 semanas e prematuros. Lactobacillus, um micro-organismo considerado benéfico, foi encontrado em maior abundância nas mães que tiveram parto a termo, depois das 37 semanas. Por outro lado, microorganismos do gênero Prevotella, ligados a infecções bucais e da gengiva, estavam associados a mães que tiveram parto antes do tempo. “A prematuridade está relacionada a uma mudança do microbioma das mulheres, mas ainda não sabemos e nem podemos afirmar se esta é a principal causa dele”, explica Procianoy. “Podem haver outras causas que antecedem essa mudança na composição e variabilidade dos microorganismos encontrados”.
Ao acompanhar a evolução do microbioma das fezes dos recém-nascidos prematuros internados, os pesquisadores notaram alterações importantes antes dos episódios de enterocolite necrosante (NEC), inflamação intestinal em que porções do intestino sofrem necrose. Foram encontradas em maior quantidade as bactérias Citrobacter koseri, que podem causar meningites, e ou Klebsiella pneumoniae, ligada a infecções hospitalares. Também notaram baixa diversidade de microorganismos e abundância de Lactobacillus, bem como mudanças nas interações entre a comunidade microbiana durante os primeiros dias de vida. Esse conjunto de aspectos teve relação com um maior risco de NEC em bebês prematuros.
Os microorganismos presentes nas primeiras fezes (mecônio) dos bebês que desenvolveram sepse neonatal, uma infecção bacteriana invasiva e grave que pode ocorrer nos primeiros dias de vida, é bem diferente da dos recém-nascidos saudáveis. “Isso sugere que algum evento ainda dentro do útero pode levar ao problema precocemente em prematuros”, diz o pediatra responsável pelo estudo.
O estudo também concluiu que o tipo de alimentação durante os primeiros 28 dias de vida interfere diretamente na composição da microbiota intestinal de recém-nascidos prematuros. O leite materno exclusivo é benéfico porque estabelece um conjunto de microorganismos mais diverso do que aquele obtido com a alimentação mista (misturas contendo de 30% a 70% de fórmulas comerciais) ou com o uso exclusivo de fórmulas. A maior diversidade de bactérias está associada à saúde. Os que se alimentaram apenas de leite materno apresentaram 85 grupos diferentes de bactérias. Enquanto que nos demais, com alimentação mista, este número variou de 9 a 29.
Os resultados corroboram o que o outro pesquisador financiado pelo Grand Challenges Brazil, José Simon, tem encontrado em seus estudos sobre os impactos do leite em pó humano em comparação com o uso de fórmula.
A equipe vai utilizar o material coletado para uma segunda fase de análises. A ideia agora é investigar quais fatores do microbioma materno podem ter relação com o desenvolvimento de enterecolite necrosante no bebê. “Também vamos verificar a relação da microbiota materna e neonatal com o aparecimento da pré-eclâmpsia, doença em que a gestante desenvolve hipertensão”, afirmam os pesquisadores.