O estudo sobre a poluição do ar e o parto prematuro

Silvia Regina Dias Medici Saldiva

Instituto de Saúde, São Paulo (SP)
Projeto: Nascidos vivos prematuros em São Paulo: uma abordagem espacial

Evidências do recém-criado conceito de saúde planetária (Planetary Health) mostram que a saúde e o bem-estar humano dependem cada vez mais da boa forma da Terra. Estudos já mostraram que condições ambientais, sobretudo a poluição do ar, afetam também os bebês que ainda estão sendo gerados ou que acabaram de nascer. Faltava quantificar esses riscos e entender também a influência de fatores sociais no parto e no nascimento. E foi isso o que fez a pesquisa conduzida pela doutora em Saúde Pública, Silvia Saldiva, entre outubro de 2014 a novembro de 2016 na cidade de São Paulo.

Primeiramente, a equipe analisou as diferentes taxas de prematuridade nos 96 distritos administrativos da capital paulista, que tem 12 milhões de habitantes. Para isso, o estudo utilizou a base de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). “Havia muitas diferenças nos índices entre um bairro e outro e queríamos entender a razão disso”, explica Silvia. “A região central e o Jardim Paulista concentravam o maior número de prematuros, mas sabíamos que isso tinha relação com a alta prevalência de cesárea por conta da localização de maternidades privadas nessas áreas. Ao excluir esse fator, chegou-se a um retrato mais preciso dos bairros com mais prematuros”. Os pesquisadores encontraram dois com alta prevalências, Tremembé e Pedreira – com uma taxa ao redor de 14% – e um com baixa, Jardim Ângela (9%). A média da cidade de São Paulo é de 11%, equivalente à nacional.

A etapa seguinte foi literalmente ir a campo para entender as razões destas diferenças. Os pesquisadores cruzaram os dados do Sinasc com os da prefeitura para obter os endereços das casas das três regiões selecionadas para o estudo. Depois, o grupo realizou pessoalmente entrevistas com as mães dessas crianças. As casas que haviam registrado bebês nascidas a termo, com mais de 37 semanas de gestação e consideradas como controle, também receberam a visita de um entrevistador. 

Para realizar as conversas, a equipe do estudo teve de enfrentar os mais variados obstáculos, como a influência do tráfico de drogas, questões de gênero e violência doméstica, e driblar até roubos de tablets. “Tivemos que elaborar folders para explicar a pesquisa e, mesmo assim, algumas pessoas ligavam para confirmar se era verdade que estávamos entrevistando”, lembra Silvia. Apesar das barreiras, o desafio foi vencido.

Para medir a poluição do ar com precisão nessas regiões, os pesquisadores tiveram de inovar. Na ausência de estações de medição, instalaram filtros de poluentes. Sortearam e distribuíram dez deles por região. Eles eram instalados nas casas por uma semana em cada uma das quatro estações do ano. “Quando voltávamos, alguém tinha jogado fora ou molhado os filtros”, lembra Silvia. “Começamos a ter muitos problemas de perdas e tivemos que pensar numa outra solução”. Nesse mesmo momento, um estudo recém-publicado validava a medição da qualidade do ar por meio de cascas de árvores. “Mantivemos os filtros como medida alternativa e treinamos alunos para coletar as cascas de árvores em 60 locais próximos às casas dos prematuros e dos controles”. Deu certo.

As cascas eram, então, submetidas a uma análise em laboratório para identificar os elementos químicos presentes e separá-los daqueles que poderiam ter se concentrado ali naturalmente via solo. A equipe encontrou manganês e chumbo, resultados da queima de combustíveis de veículos pesados como caminhões a diesel e carros, que circulam por essas vias. “A casca se provou mais robusta que o filtro para avaliar os poluentes com precisão”, afirma Silvia.

Análise de poluentes e elementos químicos presentes nas cascas de árvores do estudo.

Os pesquisadores descobriram que nos lugares em que as cascas continham mais poluentes, as grávidas daquela região também tinham um risco maior de prematuridade. Verificaram que a poluição aumenta em duas vezes essa chance. Além disso, também foram identificadas falhas no atendimento pré-natal, como menos consultas do que o recomendado, que podem levar a um aumento de 1.7 no risco de ter um bebê antes das 37 semanas. “O pré-natal inadequado impediu o diagnóstico correto de infecções urinárias e de sífilis, que também podem levar à prematuridade”, explica Silvia. “A sífilis aumenta em cinco vezes as chances deste desfecho ocorrer”.

Os resultados foram apresentados à Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e à coordenação de saúde da criança e da mulher do município com o objetivo de corrigir as falhas no pré-natal. “Eles receberam bem os resultados e prometeram medidas para resolver atrasos em exames e outras barreiras que impediam um atendimento de qualidade”.