O programa de intervenção que focou em mães e professores para garantir um melhor desenvolvimento das crianças cuidadas por eles
Maria Conceição do Rosário
A primeira infância, período que vai dos 0 aos 6 anos de vida da criança, pode determinar todo o enredo da história de vida de um adulto. Segundo o economista americano James Heckman, prêmio Nobel de Economia de 2000, cada dólar investido nessa fase traz até sete dólares de retorno para a sociedade. Isso porque crianças emocionalmente saudáveis têm menos risco de desenvolver comportamentos agressivos, de abandonarem a escola ou de se envolver em crimes.
Tão importante quanto garantir as condições ideais para que a criança atinja seu pleno potencial na infância é cuidar de quem cuida dos pequenos, durante toda a primeira infância e especialmente na idade pré-escolar (dos 3 aos 6 anos). Estamos falando de mãe, pai, professores, avós. A qualidade da interação e dos vínculos com essas pessoas, que são as primeiras referências da criança, pode ser a diferença entre um desenvolvimento saudável e problemas que podem impactar todo seu futuro.
Foi pensando nesta “janela de oportunidades” para as crianças e nos desafios que seus cuidadores enfrentam para promover um ambiente enriquecedor para elas, que a psiquiatra Maria Conceição do Rosário, pós-doutora em pesquisa em psiquiatria da infância e adolescência pela Universidade de Yale e professora associada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolveu programas específicos para dois cuidadores essenciais na idade pré-escolar: mães e professores. “Pensamos numa iniciativa que reduzisse os níveis de estresse nos adultos e reforçasse suas competências para interagir com as crianças de forma positiva”, afirma a pesquisadora. “Com isso, podemos melhorar a qualidade de vida de mães e professores e diminuir a exposição das crianças a todo tipo de violência na família e na pré-escola, seja ela verbal, psicológica, física ou financeira”.
Batizados de Programa de Apoio às Mães (PAM) e Programa de Apoio ao Professor (PAP), eles foram aplicados em escolas municipais de Embu das Artes, no interior de São Paulo. O PAM tem como objetivos principais auxiliar as mães ou principais cuidadoras a praticar técnicas de redução de estresse, e a desenvolver habilidades de parentalidade positiva, comunicação interpessoal e de resolução de conflitos de forma democrática.
A equipe de pesquisadores desenvolveu materiais de apoio para levar conhecimento sobre a primeira infância a esses cuidadores. Durante os encontros, as mães – que também têm uma sessão com seus companheiros – recebem um caderno de atividades para realizar com os filhos em suas casas durante a semana, e livros infantis para incentivar a leitura. Todas essas atividades contribuem para fortalecer vínculos, e estimular a interação positiva das mães com seus filhos.
Já em relação aos professores, os estudos têm demonstrado que experiências enriquecedoras nas pré-escolas estão associadas com melhor desempenho acadêmico no ensino fundamental e médio e menor risco de abandono escolar. Portanto, o PAP foi elaborado com os objetivos de reduzir os níveis de estresse dos professores e auxiliá-los a desenvolver estratégias para atuarem como promotores do desenvolvimento integral dos alunos.
Depois que os programas foram implementados ao longo de quatro anos, foi a vez de medir seus impactos em vários âmbitos. Entre eles, foram avaliados o desenvolvimento cognitivo, social, emocional e de linguagem das crianças, a qualidade de vida, o estresse, e a gravidade de sintomas de ansiedade e depressão das mães e professores. A equipe também avaliou os efeitos do PAM e do PAP nos níveis de cortisol, um marcador biológico do impacto do estresse nas pessoas.
Os resultados ainda estão sendo tabulados, mas os primeiros dados qualitativos já demonstram os benefícios do PAM e do PAP. As mães participantes relataram menos sintomas de ansiedade, depressão e estresse ao lidar com os filhos e mudanças no estilo de cuidar. Referiram também aumento no tempo e na qualidade da interação com seus filhos, e redução dos casos de violência verbal e física. Algumas cuidadoras disseram que abandonaram a cinta corretiva na gaveta para sempre. “Várias reconheceram que a violência psicológica e verbal também são formas de violência e passaram a se colocar mais no lugar das crianças com mais empatia”, afirma Maria Conceição.
As mães também descreveram que o fato do PAM ser realizado em grupos propiciou a elas uma sensação de “pertencimento” a uma rede de suporte social, além de permitir que elas aprendessem com os exemplos umas das outras e conseguissem refletir sobre suas próprias experiências.
As mudanças foram percebidas também nos pequenos. “A maioria se tornou mais calma, participativa e comunicativa. Algumas crianças até começaram a falar melhor, simplesmente porque a mãe dedicou mais tempo para conversar com elas”, conta a pesquisadora. Os especialistas também observaram nesses filhos menos sintomas como ansiedade, tristeza, agressividade e inquietação. Também apresentaram melhor pontuação/desempenho de seu desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional, com maior autonomia para realizar atividades de vida diária, como calçar sapato, fazer laço, se vestir e escovar os dentes sozinho.
Já entre os professores que participaram do PAP, o estudo observou que eles começaram a usar no seu dia a dia técnicas de cuidado com a voz e de redução de estresse. Relataram também que, com aumento do conhecimento sobre a primeira inf6ancia, passaram a usar atividades que estimulavam mais o desenvolvimento de seus alunos e a ficar menos nervosos com os comportamentos deles. “Todos os professores relataram a necessidade de conversar sobre suas preocupações e aflições em sala de aula, e que ao compartilhar suas experiências em grupo ficou mais claro que a qualidade da interação com as crianças tinha grande influência no desenvolvimento das crianças”, diz a responsável pelo estudo, Maria Conceição.