O programa que reduziu depressão na gestação, no pós-parto e melhorou o desenvolvimento infantil de filhos de mães deprimidas

Ricardo Pinheiro

Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
Projeto: Transtornos neuro-psiquiátricos maternos no ciclo gravídico-puerperal: detecção e intervenção precoce e suas consequências na tríade familiar

Já vimos que diversos aspectos da saúde da mãe, como o microbioma vaginal, infecções pré-existentes e outras doenças podem afetar diretamente o desenvolvimento do bebê dentro e fora do útero, e até mesmo determinar seu nascimento prematuro. Estudos mostram que os níveis de ansiedade, estresse e depressão também podem impactar negativamente o desenvolvimento infantil fora dele. Esta é uma das conclusões, inclusive, de um dos projetos financiados pelo Grand Challenges Brazil que testou a eficácia de umprograma de visitas a gestantes.

O psiquiatra Ricardo Pinheiro, Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e especialista em Epidemiologia Psiquiátrica e Psicologia Médica investigou a fundo este tema. Junto com a sua equipe, ele pesquisou a prevalência de depressão durante e após a gestação e os resultados de uma intervenção baseada num tipo de terapia específico, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), sobre a saúde mental das gestantes e o desenvolvimento infantil de seus filhos.

Para isso, ele recrutou 980 mulheres a partir do final do primeiro trimestre de gravidez até a 24ª semana e as acompanhou até que seus bebês completassem 18 meses.

Concluídos os diagnósticos, foi a vez de dividir as gestantes em grupos para avaliar os efeitos das sessões de TCC. Elas foram agrupadas entre saudáveis, com risco para depressão e com diagnóstico de depressão confirmado. As primeiras foram nominadas de grupo controle e acompanhadas. As deprimidas e as em risco frequentaram até oito sessões de terapia com psicólogas e residentes de psiquiatria, uma vez por semana. O objetivo foi capacitar as mulheres em reconhecer sintomas de tristeza, ansiedade e seus pensamentos disfuncionais como “não consigo realizar tal tarefa e nem cuidar bem de mim” ou “estou muito triste e não há modo de melhorar por estar grávida” para depois oferecer técnicas para romper com eles. Além disso, metade das gestantes deprimidas também passavam por duas sessões de entrevista motivacional.

Ao final das sessões, já no terceiro trimestre de gestação, 3 meses após o parto e aos 18 meses após o nascimento, a equipe analisou dois fatores: se o programa tinha sido eficaz para prevenir a depressão entre as consideradas de risco para a doença, tanto durante a gestação, no pós-parto e aos 18 meses após o nascimento, quanto se havia conseguido tratar as depressivas ou diminuir os sintomas nestes três momentos.

Os resultados mostraram que sim. A intervenção foi efetiva não só para reduzir os casos de depressão como também impediu que as gestantes de risco a desenvolvesse. Quatro em cada cinco deprimidas passaram a não ter mais sintomas e o benefício se prolongou para o pós-parto. Mesmo vinte meses depois das conclusão das sessões, 80% do grupo de deprimidas mantiveram os mesmos bons resultados. No grupo de risco houve eficácia, sendo verificada, em maiores índices, em mulheres de menos de 8 anos de escolaridade.

As grávidas deprimidas que não aceitaram participar das sessões tiveram em torno de 11 vezes mais risco de se manterem depressivas depois do parto quando comparadas às mulheres não deprimidas. De modo geral, a prevalência de depressão após o nascimento do bebê foi de 7,2%, consideravelmente menor do que a média de 12 a 20% encontrada em outros estudos. “Isso sugere que a intervenção foi fator de proteção para evitar a doença em grávidas consideradas de risco para ela, as intervenções reduziram a prevalência e a incidência de depressão pós-parto”, afirma Ricardo.

O estudo não se limitou a verificar o impacto da terapia somente nas mães. Ele foi além e avaliou também os bebês aos 03 e 18 meses de vida para verificar se a intervenção – e consequente melhora da saúde mental e psíquica da mãe – havia influenciado o desenvolvimento infantil da criança. 

E aqui também as conclusões são animadoras. Aos três meses de idade, os filhos das mães deprimidas e que fizeram terapia tiveram um melhor desempenho na avaliação motora que as crianças de gestantes não tratadas. Os bebês obtiveram a mesma boa performance nos testes que os filhos de mulheres saudáveis ou que estavam em risco para a doença, mas participaram dos encontros com a psicóloga.

Em outras palavras, tratar e prevenir a depressão com a TCC resultou num efeito duplo: gestantes e bebês mais saudáveis. “E essa intervenção, pode ser replicada e com custos baixos para o sistema de saúde”, afirma Ricardo.

Além de executar o programa, os pesquisadores também coletaram amostras de sangue destas mesmas mulheres para tentar encontrar marcadores biológicos da depressão que desvendassem, ao menos parcialmente, o funcionamento da doença no corpo e facilitasse o diagnóstico e o prognóstico. Os hormônios cortisol, ocitocina e o hormônio liberador da corticotrofina (CRH) medidos no sangue da mãe e o cortisol dosado na saliva das crianças estiveram associados com o desempenho neurocognitivo das crianças no pós-parto e 18 meses de vida. Além disso, os pesquisadores detectaram que alguns fatores genéticos se associavam à manifestação da doença na gestação. Ainda assim, verificaram que a intervenção foi capaz de reduzir a depressão mesmo em mulheres com uma genética com maior propensão à doença.

Os resultados preliminares foram promissores e levaram a equipe a receber financiamento adicional do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2017 para estender a avaliação dos efeitos da TCC ao segundo ano de vida das mesmas crianças acompanhadas até agora. Nesse momento, o grupo avalia o resultado de uma intervenção de estimulação ao desenvolvimento neurocognitvo dos filhos de mães deprimidas aos 18 meses após o parto, uma intervenção realizada por agentes de saúde e estagiárias de psicologia.

O estudo mostra que mulheres menos depressivas, tratadas e mais saudáveis produzem reflexos positivos no desenvolvimento de seus bebês. “Gravidez Cuidada significa Bebê Saudável”, afirma Ricardo.