A combinação de intervenções que pode reduzir partos prematuros abaixo de 34 semanas de gestação

Rodolfo de Carvalho Pacagnella

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Projeto: Progesterona e Pessário cervical para Prevenir Parto Prematuro ou Estudo P5

Numa gravidez, o colo do útero funciona como um “portão” que separa o bebê do meio externo. Quando se abre, o que só deve ocorrer no momento do parto, ele fica mais curto. Mas, em alguns casos, isso acontece antes desse momento. As razões pelas quais o fenômeno ocorre ainda não foram totalmente desvendadas, mas sabe-se que estão ligadas a um processo inflamatório que diminui a quantidade de colágeno ali, tornando-o mais fino. O processo está envolvido em cerca de 64.6% de partos prematuros espontâneos, segundo estudo da Unicamp de 2014, que acompanhou 33.000 mulheres nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.

Identificar e conter o processo de encurtamento do colo antes do trabalho de parto precoce foi o objetivo da pesquisa “Progesterona e Pessário cervical para Prevenir Parto Prematuro ou Estudo P5” liderada pelo pesquisador Rodolfo de Carvalho Pacagnella, professor do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

A equipe recrutou cerca de 20.000 mulheres e coletou dados de mais de 9000 mulheres entre a 18ª e 23ª semana de gestação em 17 hospitais espalhados pelo Brasil e vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses centros, o estudo disponibilizou aparelhos de ultrassom para avaliar a gestação e medir o colo do útero. 

As gestantes que concordaram participar da pesquisa realizavam o exame sem custos. Quando nenhuma alteração era identificada, elas eram aconselhadas a seguir com seu pré-natal regular. Se o encurtamento do colo do útero fosse detectado, a grávida recebia acompanhamento especial para evitar o trabalho de parto prematuro. Todas recebiam uma cápsula de 200 miligramas de progesterona e algumas, escolhidas aleatoriamente, também recebiam um pessário, um anel de silicone, para fechar o colo e diminuir a possibilidade de um nascimento antes da hora. Ambos eram inseridos na vagina até o final da gestação. E as participantes recebiam acompanhamento regular da equipe até o parto. 

“Nosso objetivo foi avaliar se a combinação da progesterona com o pessário era mais eficaz do que somente o hormônio para reduzir as chances de parto prematuro”, afirma Pacagnella. Das 9000 mulheres acompanhadas, 936 foram diagnosticadas com colo curto (menor que 30 milímetros) e receberam uma ou outra intervenção acima. 

A combinação de pessário mais progesterona não é superior à progesterona sozinha para reduzir a ocorrência de problemas graves nos bebês nascidos prematuros, mas os dois tratamentos combinados reduzem bastante as chances de parto antes das 34 semanas de gestação, que é uma idade em que os problemas para o bebê são maiores. Essa dupla foi capaz de diminuir o nascimento prematuro grave e extremo (nascidos com menos de 28 semanas), a duração da internação dos bebês e o uso de medicamentos. 

A pesquisa mostrou também que a dupla pessário + progesterona foi benéfica para as mulheres grávidas pela primeira vez (nulíparas), com colo abaixo de 25 milímetros e gestando um único bebê. Entre estas gestantes, houve redução da prematuridade e também de efeitos adversos aos bebês. Na média, as crianças de mães que utilizaram o pessário nasceram uma semana depois (37 semanas) do que as que usaram apenas a progesterona (36 semanas). A frequência de bebês prematuros também se mostrou menor entre as que utilizaram o anel de silicone (29%) e apenas o medicamento (39%). “No entanto, ainda precisamos de mais estudos para transformar os achados em recomendação ou protocolo”, destaca Rodolfo.

Ao avaliar 9000 mulheres, os pesquisadores conseguiram estabelecer a primeira curva brasileira de comprimento do colo do útero. Graças a ela, foi possível descobrir que o tamanho do colo das mulheres brasileiras é diferente de outras populações. Essa diferença pode ser importante na definição de quais mulheres estão sob risco de ter um parto antes da hora. 

Os pesquisadores também mapearam os fatores de risco e de proteção para o colo curto. Entre eles estão inflamações uterinas, cirurgias no colo e partos prematuros anteriores (principalmente abaixo de 28 semanas), abortos, baixo peso da mãe (aumenta os riscos em duas vezes) e, para mulheres que já tiveram filhos, alta escolaridade. Os fatores de proteção são a obesidade, por estar relacionada geralmente a colos mais longos, e o fato de já ter tido um parto anteriormente.

Para além dos resultados científicos, a pesquisa também gerou novos protocolos e políticas públicas. Por causa do estudo, a cidade de Jundiaí (SP), que participou da pesquisa recrutando mulheres, instituiu o ultrassom transvaginal e a medição do colo do útero como exames obrigatórios durante o pré-natal. “Quando o professor Rodolfo convidou a Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) para participar do projeto, percebemos que o desafio seria grande e que o melhor caminho era sensibilizar o setor público que atende a gestantes a universalizar no município a medida do tamanho do colo do útero” diz o professor Rodrigo Camargo da FMJ. “A estratégia foi muito bem aceita e funciona até hoje, mesmo após o término da pesquisa.” Segundo Pacagnella, foi um resultado inesperado, mas extremamente importante para a saúde pública. Outra inovação foi a pesquisa de satisfação aplicada a todas as mulheres participantes. “Passei por três partos prematuros, e os médicos identificaram que eu tinha encurtamento de colo do útero, o que dificultava segurar o bebê durante a gestação”, afirma uma participante do estudo. “Quando fiquei grávida novamente, eu aceitei fazer o tratamento com pessário. Funcionou. O anel foi retirado com 37 semanas e eu ganhei a minha bebê com 38, dentro do tempo normal”.