Bactérias podem indicar risco de parto prematuro e levar a teste diagnóstico inédito no mundo

Antônio Fernandes Moron

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Projeto: Influência do microbioma vaginal e dos metabólitos vaginais na remodelagem cervical e parto pré-termo

A humanidade é capaz de prever tempestades e asteroides em rota de colisão com a Terra. No entanto, ainda não conseguimos avaliar com precisão quando uma gestante pode ter um parto prematuro espontâneo, ou seja, antes das 37 semanas de gestação. Atualmente há apenas duas formas de avaliar esse risco: se a mulher já teve um prematuro antes ou se um ultrassom transvaginal mostrar que o seu colo do útero está mais curto que o normal, com menos de 25 milímetros. Numa gravidez, o colo do útero funciona como um “portão” que separa o bebê do meio externo. Porém, esses dois métodos dão conta de estimar ao redor de 40% dos nascimentos espontâneos antes do tempo, que respondem hoje por dois terços dos partos prematuros no Brasil e por 35% das 3,1 milhões de mortes de recém-nascidos no mundo. Em locais com poucos recursos e sem um ultrassom disponível, essa previsibilidade diminui ainda mais. “Aferir esses riscos com precisão pode nos ajudar a prolongar a gestação e evitar internações e mortes de bebês”, afirma o obstetra Antonio Fernandes Moron, Livre-Docente pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor em Medicina Fetal pela University of Wisconsin Medical School e professor titular do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Além desses dois fatores, a ciência já sabe que desequilíbrios das bactérias que habitam normalmente a flora da vagina, o microbioma vaginal, também podem desencadear partos antes do tempo. Em geral, as do tipo Lactobacillus, comuns nesse meio, produzem uma substância chamada ácido lático, o que torna o ambiente mais ácido e protege a vagina e o colo do útero contra a invasão de espécies que causam infecções, como a Gardnerella vaginalis e outras. Quando as infecções ocorrem, elas modificam a estrutura do colo tornando-o amolecido, o que favorece seu encurtamento. E, assim, o torna mais propenso para um nascimento antes do tempo.

O estudo da equipe de Moron teve o objetivo de identificar se microorganismos, substâncias e compostos do microbioma vaginal poderiam detectar com precisão um encurtamento do colo do útero e, portanto, um risco maior de parto prematuro. “Nosso objetivo foi avaliar se era possível acrescentar um terceiro fator de predição aos dois já existentes”, afirma o especialista em imunologista da reprodução Steven Sol Witkin, professor Emérito do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Weill Cornell Medicine, e parceiro de Moron na pesquisa.  A equipe coletou duas amostras vaginais de 568 mulheres entre 18 e 24 semanas de gestação em hospitais de três cidades brasileiras: São Paulo, Jundiaí e Fortaleza. O comprimento do colo do útero foi avaliado por ultrassonografia transvaginal. Também houve análise da composição do microbioma vaginal. Entre as 40 espécies encontradas, três bactérias foram as mais comuns: Gardnerella vaginalis, Lactobacillus inners e L. crispatus. Esta última é a grande responsável por aumentar os níveis de D-ácido lático, importante substrato para manter o colo uterino saudável. O estudo mostrou que a combinação de baixos níveis de D-ácido lático e alta concentração de um marcador de inflamação, o TIMP-1 (inibidor tecidual da metaloproteinase 1), nas secreções vaginais representa um indicador confiável de que o L. crispatus deixou de predominar na flora e há um maior risco de encurtamento do colo e de parto prematuro espontâneo. Quando combinado ao ultrassom transvaginal, o teste foi capaz de identificar 71% dos nascimentos antes das 37 semanas na amostra avaliada contra apenas 31% previstos pelos dois métodos convencionais (histórico e medição de colo). 

A análise de microbioma se mostrou confiável mesmo na ausência do ultrassom, permitindo rastrear, ao redor de 60% dos casos de parto antes do tempo. “Isso demonstra que o método pode ser uma maneira simples e custo-efetiva de avaliar o predomínio de L. crispatus ou de outros microrganismos e o comprimento do colo do útero durante a gravidez sem a necessidade de recursos caros e sofisticados como o sequenciamento genético”, diz Moron. “Os resultados podem gerar um novo teste para identificar riscos de prematuridade e estabelecer novos protocolos”. 

Os pesquisadores também avaliaram 107 de 600 amostras vaginais e descobriram, pela primeira vez, que alguns vírus, os chamados bacteriófagos, por infectarem bactérias, também poderiam ter influência no comprimento do colo do útero. A equipe está em busca de financiamento para um novo estudo que testaria a eficácia do método no primeiro trimestre de gravidez e a viabilidade de transformá-lo num diagnóstico. “Nossa ideia é criar algo simples de usar e acessível, similar a um teste de gravidez”, diz Moron. “Também queremos avaliar a influência dos vírus no comprimento do colo do útero pela primeira vez na literatura.”